“O NOSSO GOVERNO NÃO INSTITUCIONALIZA AS AUTARQUIAS PORQUE ESTA GOVERNAÇÃO NÃO ESTÁ A SER TRANSPARENTE”


Por : Herculana Carlos

Shelcia Chana, estudante de Direito da Universidade Katyavala Bwila, afirmou durante o programa de Rádio implementado pela OMUNGA denominado “Corrupção é Crime”, realizado no transato dia 23 de Março, com a temática sobre “O Poder Local e a Transparência na Gestão da Coisa Pública”, que teve também como convidado Júlio Lofa Martinho, Coordenador Executivo da AJS, programa este apresentado pelo Donaldo Sousa, Jornalista da Omunga, que  “OS NOSSOS GOVERNANTES TÊM MEDO DAS AUTARQUIAS PORQUE SABEM QUE TERÃO QUE PRESTAR CONTAS À POPULAÇÃO”.

De acordo à Shelcia Chana, falar do poder local é falar da forma de organização de cada localidade e de como será dirigida. “As autoridades tradicionais estão dentro das formas organizativas do poder local. Elas vão proporcionar autonomia local e teremos maior controlo da coisa pública. Alguns municípios têm sim condições para a implementação das autarquias, mas outros terão que se juntar aos municípios mais próximos para que este desenvolvimento seja melhor atingido ”-reforçou.

 Shelcia Chana disse ainda que a administração pública age segundo alguns princípios que estão plasmados no Código de procedimentos administrativos e um destes princípios mais importante é o princípio da transparência. O administrador público ao lidar com os bens públicos tem que perseguir a realização do interesse público com visibilidade, lisura e respeito ao acesso a informação e a divulgação previstos na lei n.º 31/22 de 30 de Agosto. A população poderá pedir contas ao administrador público caso ele não esteja a ser transparente isso com a implementação das autarquias.

A estudante universitária salientou ainda que o princípio da legalidade diz que o administrador ou gestor público deve se pautar sempre pela legalidade, ele não pode agir fora dos parâmetros legais. Além deste princípio existe também o princípio da imparcialidade que diz que o gestor público não pode ser parcial nas suas decisões, ele deve sempre olhar para os interesses da sociedade em geral, fazendo um intercâmbio com o princípio da prossecução do interesse público onde o principal objectivo da administração pública é satisfazer o interesse da colectividade.

Opinião dos Ouvintes

Simão Cativa e Mariano Bumba, ambos ouvintes do programa, intervieram dizendo que “A descentralização do poder é urgente para quem quer ver o povo a viver melhor. Os governantes têm medo de dividir o poder. Se as autarquias forem implementadas com certeza haverá mais transparência na gestão dos bens públicos, pois os autarcas terão que prestar contas a população”.

Felisberto Bonifácio, outro ouvinte do programa concordou dizendo que “ Com as autarquias a possibilidade de destituir os maus governantes trapaceiros”.

Por outro lado, Júlio Lofa Martinho, Coordenador Executivo da AJS e um dos convidados do programa trouxe como nota introdutória a ideia de que, se a ciência não for útil para o bem-estar e as condições de vida dos cidadãos, esta então não serve. Quando se fala da gestão da coisa pública estamos a falar da administração pública. Um Estado é a congregação de um segmento (território ou terra, povo e a administração). O primeiro poder é a terra, o segundo poder são os filhos da terra ou o povo, já o terceiro poder é a ideia do povo. A desassociação destes poderes pode causar uma rotura fraturante no conceito de Estado.“Não existe Estado se estes três podores  não estiverem alinhados” – sublinhou.

Júlio Martinho frisou que a transparência na gestão da coisa pública centra-se nas ideias dos filhos da terra. Quando falamos do poder local, estamos a falar nada mais nada menos da manutenção das ideias dos filhos da terra (povo), mas deve ser a um determinado limite, porque existe do ponto de vista da elevação das ideias dos filhos da terra, também chamado de governação, onde existe um estágio macro, médio e micro. Mas, tudo isso é sempre na ideia de podermos gerir ou cuidar melhor daqueles recursos que estão no outro poder que no caso é a terra. O poder local é aquele que vai estar limitado tanto do ponto de vista territorial ou ainda da actuação que vai se limitar para uma determinada circunscrição. O poder local há de ser aquela congregação de hábitos e costumes, procedimentos que podem valorizar aquilo que acontece a nível da localidade.

Assim sendo, Júlio Martinho questiona ironicamente, “Como é que são os hábitos relativamente a gestão ou ao cuidado daquilo que é de todos nós?”

O Coordenador Executivo da AJS respondeu dizendo que, nós temos um histórico muito difícil relativamente ao cuidado da coisa pública. Esse cuidado é que dá espaço a corrupção, esta que é a capacidade que as pessoas têm de desviar os interesses públicos em interesses privados sob consequência de violar até preceitos legais ou ideias que já estão estabelecidas. Apesar da administração ser uma ciência devemos olhar a forma como temos estado a atropelar procedimentos assumidos como científico para podermos chegar a um desiderato comum. Do ponto de vista da administração pública, o desiderato comum é o bem-estar. Quando os procedimentos para cuidar aquilo que é de todos nós são corretos, a gente consegue observar da melhor forma possível e conseguiremos ver aquilo que chamamos de transparência. Quando o inverso acontece e alguém usa meios para cobrir as suas acções este não está a ser transparente e nós também conseguimos ver. O que pode estar na base deste acto pode ser a prática da não separação dos poderes das ideias dos filhos da terra.

Júlio Martinho diz as vezes ter receio em falar sobre o sistema de administração pública chamada autarquia, porque tem a impressão de que as pessoas estão expectantes com as autarquias ou a desconcentração do poder pois acreditam que poderá trazer consigo uma vareta mágica para mudar o comportamento das pessoas e mudar também os hábitos e costumes das mesmas, mudando assim um problema que é muito grave, a subalternização da nação para preceitos políticos partidários. “Será que este sistema nos vai trazer isso?” – questionou.

O preceito legal sobre as autarquias dá abertura até de cidadãos constituírem-se em determinado grupo e também poderem concorrer, não estando afecto necessariamente a uma força política partidária. É mais um valor adicionado de que afinal com as autarquias poderemos ter a partilha do poder que hoje é quase que difícil na realidade. “Faz o governo quem ganha as eleições gerais, então não me parece ser obrigatório que quem governa chame para si na governação pessoas de outras forças políticas. Porém, não quer dizer que os angolanos por não fazerem parte de outas forças políticas estejam limitados de servir com as suas sabedorias e consciência e com bons hábitos e costumes para a gestão da coisa pública” -falou.

Em relação ao questionamento supracitado, Júlio Martinho salientou que temos que trabalhar primeiro os nossos hábitos e costumes, referindo-se assim ao trato da coisa pública. É preciso que trabalhemos certos hábitos de modos a não deixarmos que as ideologias partidárias subalternem a intenção maior que é o Estado, é a Nação. “Nós vimos por exemplo nas eleições gerais viaturas da administração pública a serem usadas na campanha do MPLA e o contrário talvez não tenha acontecido com outros partidos políticos. E as pessoas nesta situação não se sente no poder de contestar esta situação e isso acontece também em outros segmentos ”-frisou .

Júlio Martinho acredita que mais do que apelar pelas autarquias que vão nos apresentar oportunidades, devemos começar a mudar os nossos hábitos chamando a razão dos nossos gestores para não cometerem infrações deste nível. E nós não temos como reclamar e fazer com que os nossos dirigentes sintam que o que fazem não é o mais correcto. É suposto que ao nível das autarquias fosse mais fácil ter um contacto mais directo com quem administra se o caso fosse com um autarca. É mais fácil mobilizar uma reeleição autárquica do que uma reeleição Nacional.

A educação enquanto sistema devia dar continuidade a educação que as pessoas trazem apartir do berço na perspectiva de uma gestão equilibrada, transparente e honesta da coisa pública. Muitos de nós nos comportarmos que nem os nossos gestores e tratamos mal a coisa pública por conta da ambição. “A falta de um perfil de moralidade de quem vai gerir a coisa pública é um problema e ainda não se trabalha nisso. Não são as autarquias que vão trazer a moralidade enquanto tivermos este sistema de gestão da coisa pública. Vejo nas autarquias a grande oportunidade que nós temos das nossas forças políticas partilharem os poderes ao nível das localidades, mas o comportamento, a atitude é um trabalho de todos nós” – destacou Júlio. 

Os internautas também deram os seus contributos com os seguintes comentários:

“É necessário que os debates continuem… deve desmontar-se a ideia politizada sobre as autarquias… É necessário que comecemos a vê-la e discutir na perspectiva filosófica, antropológica, social e psicológica… A Omunga já tem falado das autarquias como um direito, isso é bom! Uma vez que os políticos só trazem a ladainha do poder… há muito mais que se diga sobre as autarquias, não devemos continuar a reproduzir o discurso dos políticos…

O centro do debate deve ser a realização social, filosófica, psicológica das comunidades…-comentou Kambolo Tiaka-Tiaka.

Tchiculundunda, mais um ouvinte que interveio na conversa disse “devemos construir o país todos juntos. Enquanto o poder estiver centralizado não poderemos mudar esta situação se o sistema não for mudado”.

A título de conclusão, Shelcia Chana terminou dizendo que a auscultação também é um instrumento de governação. Mas na nossa realidade não é uma coisa que se faça. Por exemplo, falou-se que sobre a nova divisão político-administrativa de Angola se fez uma auscultação, mas nunca vimos isso e nas comunidades académicas pois não fomos ouvidos em relação a isso. Nunca foi discutido connosco sobre as vantagens da nova divisão político-administrativa. E pensa que alguns bairros que serão municípios não têm condições económicas alguma para receberem tal título. Finalizou dizendo ainda que se fossem implementadas as autarquias, teríamos muitos benefícios, mas devemos a princípio devemos mudar a consciência ou a mentalidade.

Por fim, Júlio Lofa Martinho encerrou dizendo que as pessoas devem ter mais consciência da importância que estas conversas representam, mas se nós não mudarmos essa forma de gerir a coisa pública não vamos conseguir aproveitar o bem que o poder local nos oferece. A partir do momento que Angola decide abraçar o sistema político de governação democrática obriga necessariamente o cumprimento do pressuposto da criação das autarquias por ser um dos componentes da democracia que permite o cidadão ver da forma mais presente a sua participação.        

 

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