Guilherme Neves, membro do Grupo de Monitoria dos Direitos Humanos em Angola, alertou sobre o crescente encerramento dos espaços cívicos no país. A declaração foi feita durante a Conferência Provincial da Sociedade Civil de Benguela, que reuniu dezenas de activistas e representantes de organizações não-governamentais para debater os obstáculos à participação cidadã e ao exercício de liberdades fundamentais.
“Quando falamos de Espaço Cívico, referimo-nos às condições legais, políticas e institucionais que permitem aos actores não-governamentais expressarem-se e participarem na vida pública. Infelizmente, essas condições estão cada vez mais limitadas, apesar de estarem consagradas na Constituição da República de Angola e em tratados internacionais ratificados pelo país”, afirmou Neves.
O activista citou os artigos 41, 42 e 52 da Constituição, que garantem o direito de associação, de participação na vida pública e política, e o dever do cidadão de intervir nos assuntos do Estado. “Não se trata apenas de um direito, mas de uma obrigação constitucional de todo o cidadão. A participação pública é também participação nos processos de desenvolvimento e de gestão do erário público”, reforçou.
Contudo, Neves alertou para medidas recentes do Executivo que contradizem esses princípios. Em 2023, o Governo anunciou uma nova proposta de estatuto das ONGs, que prevê que o Estado passe a coordenar suas acções, uma medida considerada uma violação directa ao direito de livre associação garantido pelo artigo 48 da Constituição.
“O que está em causa é a tentativa de submeter as associações civis a um controlo estatal, o que fere os fundamentos democráticos e limita o papel da sociedade civil. Essa coordenação fere os princípios constitucionais e foi imposta por meio de um decreto presidencial, quando deveria ser matéria de competência exclusiva da Assembleia Nacional”, criticou.
Guilherme Neves também abordou o uso indevido das recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), uma organização que actua na prevenção do financiamento ao terrorismo e branqueamento de capitais. “As recomendações do GAFI são manipuladas por governos para impor restrições injustificadas às ONGs. A recomendação 8 do GAFI, por exemplo, incentiva a proteção das organizações sem fins lucrativos, e não o seu controlo ou perseguição”, denunciou.
O activista lembrou ainda os riscos enfrentados por defensores dos direitos humanos no país. “Temos registado um número preocupante de activistas que perderam a vida por exercerem o direito de protestar. O caso de Cafunfo, em 2021, onde manifestantes foram mortos por reivindicar os seus direitos, continua sem justiça”, disse.
Neves concluiu com um apelo à sociedade civil: “É preciso continuar a mobilização e a denúncia dessas práticas. O espaço cívico pertence ao povo, e sua defesa é essencial para a consolidação de uma democracia verdadeira em Angola”.