CARTA ABERTA A BORNITO DE SOUSA: ÉTICA, DEMOCRACIA E CONSTRUÇÃO DE PAZ


Foi com bastante surpresa que fomos confrontados com a candidatura de Bornito de Sousa, actual Ministro da Administração do Território, para o cargo de Deputado da Assembleia Nacional, através da lista do MPLA.

Embora a publicação da referida lista espelhe apenas intenções, a OMUNGA está preocupada não só com a frequência com que Bornito de Sousa vê-se obrigado a vir justificar-se em público durante este processo eleitoral, como com as consequências na credibilidade deste processo eleitoral.

Primeiro foi a permanente justificação para que o processo de Registo Eleitoral fosse executado pelo Ministério da Administração do Território, do qual, coincidentemente, é o titular da pasta enquanto Ministro.

Na altura justificou: “Quem convoca as eleições não é a CNE, mas sim o Presidente da República. Quem confirma se um candidato está em condições de ser elegível é o Tribunal Constitucional. Quem atribui os fundos para os partidos e os candidatos não é a CNE mas sim o Executivo, através do Orçamento”. Esqueceu-se de reflectir que em nenhum destes exemplos existe uma intervenção directa na Administração eleitoral.

Agora, sente-se obrigado a vir a público justificar que não encontraincompatibilidade legal ou Constitucional com o facto de, enquanto Ministro em funções dum órgão que exerce as funções atribuídas pela Constituição, à Administração eleitoral, neste caso o registo eleitoral, aparecer como candidato a Deputado da Assembleia Nacional.

A Associação OMUNGA reagiu ao facto endereçando uma carta aberta a apelar para que Bornito de Sousa renuncie à sua candidatura para Deputado, em nome da Ética, enquanto cidadão, de forma a dar um exemplo de cidadania.

Eis a carta:

 

REFª: OM/  019  /2017

C/c: Exmo. Sr. Presidente da República de Angola – LUANDA

Ao Exmo. Sr.

Bornito de Sousa Baltazar Diogo

Ministro da Administração do Território

Candidato a Deputado da Assembleia Nacional

L U A N D A

ASSUNTO: CARTA ABERTA: ÉTICA, DEMOCRACIA E CONSTRUÇÃO DE PAZ

Prezado Bornito de Sousa

Como é do vosso conhecimento, a Associação OMUNGA sempre se empenhou no monitoramento dos diversos processos eleitorais registados em Angola. Neste momento, desenvolve o projecto “ELEIÇÕES LIVRES JÁ!” que tem precisamente como principal enfoque a tolerância política. Pretende, desta forma, contribuir para a participação livre de todo e qualquer cidadão nas eleições, e na construção da democracia e da Paz.

Foi com alguma surpresa que acompanhou pela comunicação social, da vossa candidatura ao cargo de Deputado da Assembleia Nacional da República de Angola, nas eleições que se avizinham, enquanto o segundo nome da lista de candidatos do MPLA.

Por outro lado, preocupam-nos também as justificações, supostamente vossas, postas a circular na comunicação e redes sociais sobre a inexistência de “incompatibilidade legal ou Constitucional para esta situação“, sem atender, ou desprezar, o factor Ética em referida situação.

Gostaríamos de iniciar por uma incursão nas razões de fundo que levaram a nossa Constituição a definir e a exigir que a Presidência da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) seja ocupada por um magistrado em funções.

É importante, para nós, esta reflexão já que foi o motivo de tanta discussão em torno da nomeação da Dra. Suzana Inglês e que obrigou o Tribunal Supremo a anular o concurso público que a levou a tal cargo.

Baseando-nos na Ética, subentende-se que, enquanto Magistrado em funções, está impedido de participar na vida político-partidária activa e também candidatar-se a deputado, por exemplo.

Este impedimento e de acordo à alínea c) do Artigo 145º, Inelegibilidade, da Constituição de Angola, estende-se aos “membros dos órgãos de administração eleitoral“.

Facilmente se percebe que não foi por acaso que na nossa Constituição, se realça no seu Artigo 107º, Administração eleitoral, ponto 1, que “os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral independentes, cuja estrutura, funcionamento, composição e competências são definidas por lei.

Se o aspecto anterior é importante, demais importante é o que realça o ponto 2 do mesmo artigo ao definir que “o registo eleitoral é oficioso, obrigatório e permanente, nos termos da lei.”

Assim sendo, a Constituição de Angola considera, implicita e explicitamente, que o processo de registo eleitoral é parte da Administração eleitoral.

Assim sendo, sem pretendermos levar a reflexão para o facto de que o Ministério da Administração do Território terá ou não legitimidade para dirigir este processo de registo eleitoral, o que é certo, é que ao fazê-lo, passa a ser parte da Administração eleitoral e assim, os seus membros, impossibilitados de se candidatar aos cargos de deputados.

Por esta razão fica-nos difícil entender que o Sr. Bornito de Sousa, docente da cadeira de Ciência Política e Direito Constitucional, enquanto Ministro da Administração do Território, considere não existir “incompatibilidade legal ou Constitucional para esta situação“.

Mais difícil fica-nos aceitar que, de acordo ainda às suas declarações, compare esta situação com a dos deputados, ao dizer “que se fossemos então no rigor de colocar suspeições para uma situação desta, no limite então os senhores deputados, por exemplo, teriam de se demitir agora, porque estivemos a ver legislação eleitoral[1]

Pedimos desculpas mas chegámos a considerar uma brincadeira tais declarações, já que, precisamente é papel dos Deputados a elaboração e a aprovação das leis, sem no entanto, por obrigatoriedade da separação de poderes, poderem fazer a administração das mesmas.

Assim sendo, a Associação OMUNGA considera existir incompatibilidade Constitucional na candidatura do Sr. Bornito de Sousa, em exercício do cargo do Ministério da Administração do Território, enquanto parte da Administração eleitoral, a Deputado da Assembleia Nacional.

É nesta conformidade que a OMUNGA, preocupada com todos os atropelos que possam realmente manchar o processo eleitoral de 2017, vem apelar ao Sr. Bornito de Sousa que em nome da Ética, enquanto cidadão nacional e professor universitário da cadeira de Ciência Política e Direito Constitucional, renuncie à sua candidatura a Deputado da Assembleia Nacional, dando assim um verdadeiro exemplo de cidadania que tanto a nossa juventude precisa.

Sem qualquer outro assunto de momento, queiram aceitar as nossas cordiais saudações

José A. M. Patrocínio

Director Executivo

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