A ÚLTIMA REMODELAÇÃO GOVERNAMENTAL E A DECEPÇÃO DE UM AUTÓCTONE



“REPASSANDO”

Viva o GURN, ou seja, o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional.

Após ler atentamente o artigo do jornalista, autóctone, William Tonet, sobre a sua decepção quanto ao desrespeito aos povos de Angola, queria em primeiro lugar, solidarizar-me com ele. Com respeito ao nosso ilustre jornalista, vou segurar o testemunho, como se de uma corrida de estafetas se tratasse, para opinar em poucas linhas mesmo sabendo que é muito difícil, depois do seu longo artigo sobre os aspectos culturais, acrescentar alguma coisa nova.

No seu conceituado texto, William Tonet avisava “Amandjangue tchialinga mbuim, tchalungula ava vayua”. Trata-se de um provérbio na minha Língua Materna Umbundo que, textualmente traduzido para o Português, significa, “meu irmão, se ouvires um ruído “mbuim” de algo a cair num charco de água, isso é um aviso para os que estão a banhar-se” o que equivale ao provérbio português, mas de uma forma mais suave, “se vires as barbas do vizinho a arder, põe as tuas de molho”. Gostei deste final do artigo. Além desta conclusão em apoteose, William Tonet, horrorizou-se com a nova composição do Ministério da Cultura, Turismo, e Ambiente.

William Tonet foi muito esclarecedor ao tratar da Cultura, mostrando muitos exemplos do que não foi feito pelo Governo do MPLA desde 1975 até aos nossos dias. É muito difícil não estar de acordo com ele mas, a seu tempo, se for o caso, produzirei melhor opinião sobre esse assunto para acrescentar ao debate. Por ora limito-me a afirmar, que independentemente das variadas culturas que formam o nosso mosaico angolano, o radical bantu dos diversos povos é o mesmo ou quase similar. Faltam-nos somente a sua melhor divulgação e estudos consequentes. Aliás, não carecemos de quadros superiores na Cultura, nem no Ambiente ou no Turismo.

Também por ora, uma opinião nova sobre o assunto, iria retirar argumentação do texto de Tonet e por tabela defenderia a posição do Governo de João Lourenço. Portanto, vou apenas ater-me a vertente política do problema, porque pouco se falou, apenas se referiu de leve ao Turismo e ao Ambiente, o autor, concentrando-se mais na Cultura e na juventude da nova Ministra Adajni Costa.

Na vertente política da remodelação governamental, além da pasta da Cultura, Turismo e Ambiente, surpreendeu-me a escolha do momento inoportuno da formação deste Governo nesses tempos de crise da COVID-19, período em que os angolanos e o mundo inteiro estão confinados em suas casas e as actividades, em todos os quadrantes, estão praticamente paralisadas. Surpreendeu-me, como dizia, a nova direcção do Gabinete de Acção Psicológica e Informação da Casa de Segurança do Presidente da República, Gabinete liderado pelo conhecido ex-porta voz do MPLA, Noberto Garcia, o que indicia o retorno de Angola à República Popular de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Isso é muito mau para um País considerado democrático, que se prepara, ainda por cima este ano, para a implementação de autarquias locais de forma livre e transparente.

Ah, que saudades do tempo do GURN!

O GURN foi empossado no dia 11 de Abril de 1997 em Luanda, num espírito de reconciliação nacional que muitos advogam ainda hoje ser necessário para o real entendimento entre os angolanos. Só que, na altura da sua formação, não existia da parte do MPLA, nenhuma intenção de coabitar verdadeiramente com a oposição liderada pela UNITA porque, além deste partido político, outros partidos da oposição com assento parlamentar; PRS, PLD, PRD, PDP-ANA, TRD, FDA e PAJOCA -, faziam parte desse Governo. A FNLA foi o único partido com assento parlamentar que não fez parte do GURN, mesmo tendo ficado em terceiro lugar nas eleições.

A FNLA foi punida porque o seu presidente, Holden Roberto, se tivera deslocado ao Huambo ao encontro do Dr. Jonas Savimbi para juntos procurarem uma solução política para Angola após a crise dos resultados das eleições de 1992, num momento em que o MPLA já se preparava para expulsar a UNITA de Luanda.

Na composição do GURN, para citar apenas alguns partidos, à TRD coube a pasta da Justiça com o Dr. Paulo Tchipilica como Ministro, ao PRS a pasta da Ciência e Tecnologia, cujo Ministro foi o Dr. João Baptista Ngandagina, ao PLD com Alexandra Pereira Simeão, na altura com apenas 20 anos de idade, o cargo de vice-Ministra da Educação e aos restantes partidos da oposição os cargos de Vice-Ministros e Embaixadores.

No que toca a UNITA, negociadora dos acordos de Lusaka, assinados em Novembro de 1994 com o MPLA, como é sabido, couberam os Ministérios do Comércio, da Saúde, da Geologia e Minas e da Hotelaria e Turismo além das pastas de Vice-Ministros, Governadores e Vice-Governadores provinciais e Embaixadores. A maioria dos Ministérios entregues à UNITA foram apenas no sentido figurado, uma vez que, a confiança dos dirigentes do MPLA era depositada nos Vice-Ministros ou nos Directores Nacionais e outros quadros séniores que, na sua maioria, vinham das estruturas do Palácio do Presidente da República ou dos órgãos da Segurança do Estado. Tal aconteceu no Ministério do Comércio e no Ministério da Saúde.

O Ministério da Geologia e Minas era um Ministério novo e toda a articulação com a Endiama, com os assuntos diamantíferos ou outras riquezas minerais, era feita pelo Vice-ministro ou por altos funcionários do MPLA. Em suma, não havia um programa nem um objectivo para o funcionamento do GURN. Aplicava-se apenas a vontade do MPLA.

No então criado Ministério da Hotelaria e Turismo, e para humilhar a UNITA, em vez de Ministério do Turismo e Hotelaria, que faria mais sentido, a Hotelaria primou em relação ao Turismo num País que, na altura, não dispunha de hotéis e em que as estradas inter-provinciais eram inexistentes. Na época, as noções mínimas de turismo circunscreviam-se a visitas dos Dirigentes e da elite angolana à Ilha do Mussulo, as rulotes na Ilha de Luanda, comer cacussos no Panguila e visitas às praias de Cabo Ledo com paragem quase obrigatória na Feira do Artesanato no Benfica.

Se não fosse a visão estratégica do Ministro Jorge Alicerces Valentim, que com meios exíguos, se tornou no Chairman da OMT para África, graças as suas ideias activas sobre o desenvolvimento do turismo em África, praticamente Angola demoraria muito mais tempo para ser considerada potencialmente lugar de destino turístico. Nas suas inúmeras viagens pelo Mundo, para promover o mercado turístico nacional, a nossa imprensa independente carinhosamente baptizou-o o “Ministro Caixeiro Viajante”. O seu trabalho foi prosseguido pelo Ministro Eduardo Jonatão Chingunji “Dinho” que com brio e alto sentido de responsabilidade melhorou o desempenho do seu antecessor.

Eu, tendo sido Director de Gabinete do Ministro, com alguma propriedade, mas sem pretender ser absoluto dono da verdade, diria que o turismo se articula entre vários sectores de desenvolvimento dos países. Há vários países como a França, a Malásia e a maioria dos países francófonos que ligam o Turismo à Cultura e ao Artesanato, enquanto que os países anglófonos e africanos aliam o Turismo ao Ambiente e aos Transportes Aéreos. O Turismo é o denominador comum destas tendências, principalmente na articulação entre os vários ramos de actividade e é o mais eficaz para a arrecadação de divisas para o Produto Interno Bruto dos países que dele dependem.

O GURN, apesar de não ter tido um programa e um objectivo concreto, serviu para o início do relacionamento de pessoas com sensibilidades políticas diferentes. O seu fim tão drástico que para uns quadros da oposição como eu, foram postos à prova perante dois cenários, sublimemente intimidantes, deixou apenas espaço para fazer declarações bombásticas contra o nosso partido ou apoiar o MPLA pela nossa passagem pelo governo. Cada um fez a sua maneira e de sua livre consciência, a sua escolha. A alguns foram feitas promessas, umas cumpridas e outras não, e a nós, os mais resistentes, coube o único caminho que nos deram, o da saída sem apelo nem agravo.

Finalmente estava aberto todo o campo ao MPLA para realizar e ganhar com resultados à moda ditatorial as eleições de 2008 que precederam a aprovação da Constituição da República Atípica do Presidente José Eduardo dos Santos, e que ainda vigora, a qual permitiu em grande escala e mais descaradamente o saque das riquezas do país em benefício de uma só família, seus amigos e comparsas.

Retomando para concluir o assunto da recente remodelação governamental e para não termos que comentar comentários das opiniões dos outros, passe o pleonasmo, antes ou depois de nomeações governamentais, deveria haver debates livres e participativos a fim de se evitarem constrangimentos em certas nomeações. Assim, quando se propõe um nome para um alto cargo, deve-se ter em conta quem é a pessoa para o cargo indicado porque Cultura, Ambiente e Turismo, ou outra associação complexa qualquer que seja, depende de quem vai articular e dinamizar o conjunto. O essencial, é que todos saibam qual é o projecto e o que se pretende fazer para o bem dos angolanos .

Vondjo nda vo hã muele amo akasi… Assis I. Baltazar Capamba

Ex Director do Ministro de Hotelaria e Turismo

Ex Representante da UNITA em França


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