ASSUNTO: NOTA PÚBLICA SOBRE O CANAL DO CAFU NA PROVÍNCIA DO CUNENE


ASSUNTO: NOTA PÚBLICA SOBRE O CANAL DO CAFU NA PROVÍNCIA DO CUNENE

“Do canal saí água e não pode entrar mais nada, não podem atirar lixo, não podem atirar animal morto, não podem atirar pedras, não podem entrar para tomar banho, porque é perigoso, os que entrarem para tomar banho correm grandes riscos de morrerem, nós não queremos que alguém morra. O canal não foi feito para matar, mas sim, para salvar vidas. Então é preciso que os sobas que estou a ver aqui à minha direita e os mais velhos das aldeias eduquem as populações neste sentido, que a vida das aldeias dependem deste canal, este canal é a fonte de vida das populações desta região”. Fim de citação [1]

Essas foram algumas das palavras proferidas pelo Presidente João Lourenço no dia 04 de Abril de 2022, aquando da inauguração do canal do Cafu que custou ao cofre do Estado nada mais e nada menos 137 milhões de dólares.

Dias depois da sua inauguração os animais afogavam-se no canal e os cidadãos viram a sua servidão de passagem inviabilizada, uns faziam de trinta por uma linha para atravessar do outro lado do canal, porque os idealizadores da obra esqueceram-se de colocar uma passadeira que permitisse os cidadãos atravessar para o outro lado do canal.

Decorridos cerca de dez (10) meses desde a sua inauguração, o Instituto Nacional de Recursos Hídricos do Ministério da Energia e Águas leva ao conhecimento público que, as fortes chuvas que ocorreram nos últimos dias na cidade de Ondjiva, Província do Cunene, provocaram o deslocamento de placas numa das secções do Canal Condutor Geral do Cafu.

Desde a sua concepção até à sua implementação, a obra do Canal do Cafu, estava condenada a não responder aos objectivos previstos devido aos inúmeros problemas derivados, em grande parte, à urgência em que todo o processo decorreu, o que poderá justificar a ausência de estudos técnicos de apoio, mas acima de tudo, pelo facto de não ter incluídos os saberes e as experiências das comunidades locais. A PLATAFORMA SUL, no âmbito das suas acções de advocacia, sempre chamou atenção ao Executivo angolano e às instituições Internacionais para que houvesse seriedade na abordagem do desafio das alterações climáticas e da gestão de seus impactos. Mas, até ao momento, não existe abordagem profunda e inclusiva dessa problemática. Numa obra desta envergadura, para além das quotas do terreno, tornava-se imprescindível ouvir dos locais o comportamento das águas pluviais e fluviais. A falta deste pressuposto acabou por afectar a circulação das águas das chuvas que romperam com as paredes do canal.

Pelo curto espaço de tempo da obra, e sabendo que ainda não atingimos o pico das chuvas, podemos ver que não tem a consistência necessária para o terreno arenoso como o do Cunene.

A seca é uma consequência das alterações climáticas, logo, ela sempre estará presente nas nossas vidas, engana-se quem pensa em combatê-la, quando o que se precisa é aprendermos todos a conviver com o fenômeno. Há registos de ocorrência de Ciclos de seca no sul de Angola desde, pelo menos, o início do século XX. A actual crise climática vem exacerbar a crescente vulnerabilidade de populações que continuam negligenciadas Sr. Presidente!

O semiárido angolano é um ecossistema muito delicado que inclui povos que há séculos desenvolveram habilidades e modos de vida sustentáveis, que não precisam de obras megalómanas, mas sim, de verem potenciadas capacidades locais geradoras de iniciativas comunitárias, tal como o fomento de tecnologias de acesso à água de baixo custo para beneficiar directamente as famílias. Desta forma evitar-se-iam esforços e desperdício de recursos financeiros que poderiam servir para acudir problemas que as mesmas comunidades enfrentam, como: falta de escolas, unidades de saúde e outros serviços sociais.

Em relação ao canal do Cafu, tomando em conta os últimos acontecimentos, entendemos que “não é justo atribuir a culpa às chuvas”, porque faltou trabalho de base que não foi feito, conforme nos referimos acima. Entretanto, é importante que se abra um processo de investigação criminal para identificar e responsabilizar os diretamente envolvidos no projecto e na construção da obra (do Canal do Cafu), mas, simultaneamente, que seja realizada uma avaliação participativa desta experiência por uma entidade independente.

Angola, aos 12 de fevereiro de 2023

 

Pela coordenação

João Malavindele

Pio Wacussanga

[1] https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=Nx0TCIst440

 

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