“Não se pode aceitar que o cidadão pague por um erro cometido pelo próprio estado”
Texto: Luísa Nambalo
Revisão: Carmen Mateia
Supervisão: João Malavindele
A Omunga realizou no dia 15 de Agosto de 2020, em Luanda, uma mesa redonda sobre a problemática da Migração em Angola, onde se analisou a situação dos Imigrantes e Refugiados do Oeste Africano, bem como a situação dos apátridas em Angola.
Hora: 10h as 12horas
Local: Auditório Cônego Manuel das Neves e contou com a transmissão directa da rádio eclesia e na página oficial da organização OMUNGA.
- Convidados
- Representante da comunidade da CEDEAO. Sr. Diallo Abdoulaye
- Representante do Serviço de Migração dos Estrangeiros (SME). Srª Katarina da Silva
- Representante da Organização Internacional dos Migrantes (OIM). Sr. Alberto Muxa
- Advogado em representação da OMUNGA. Dr. Francisco Sebastião
- Moderação: Esmeralda Chiyaka Direito
OBS: Neste debate foi convidado um representante do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, infelizmente não apareceu, mesmo depois termos recebido a confirmação um dia antes do debate.
O debate teve início com uma nota introdutória feita pela Laura Macedo, assistente do projecto “Documentos para Todos”, tendo realçado as principais razões que motivaram a Omunga para abordar a referida temática, destacou também em poucas palavras o surgimento da migração a nível mundial, assim como a forma preconceituosa que alguns Estados têm vindo a encarar este fenómeno, pois nem sempre os fenómenos migratórios são vistos com bons olhos inclusive pela comunidade local. Desde 2018 a Omunga iniciou a abordagem da temática dos imigrantes africanos, concretamente os imigrantes da África do Oeste africano que se encontram em Angola com o objectivo de contribuir para a construção de uma comunidade baseada na solidariedade onde a autonomia dos Estados seja baseada no respeito pela dignidade humana e nos Direitos Humanos. Somos todos imigrantes!
SITUAÇÃO DOS IMIGRANTES E REFUGIADOS EM ANGOLA, SOBRETUDO EM ÉPOCA DA COVID-19
Vários cidadãos nacionais estão a passar por dificuldades através da pandemia, os imigrantes também não escapam das consequências negativas deste grande fenómeno. O representante da CEDEAO em Angola, Diallo Abdoulaye, fez saber que a sua organização actualmente tem o controle de 16 mil imigrantes do Oeste Africano, originários da Guiné-Bissau, Guiné-Conakry, Senegal, Gâmbia, Serra Leoa, Nigéria, Mali, Costa do Marfim, Togo, Quênia, Níger, Gana e mais. Questionado sobre a situação real dos imigrantes sob controle da organização, respondeu que foram todos recebidos por Angola, entretanto passam por muitas dificuldades principalmente em obter rendimento. Muitos recorrem a prática de negócios, mas só dependendo disso quase que não conseguem fazer nada e se não fazem nada isso constitui outro problema. A lei angolana ainda não está bem integrada em relação aos imigrantes, logo, os imigrantes do Oeste Africano vivem como uma comunidade baixa importância, alguns até conseguiram singrar e estão bem de dinheiro, mas não em “grandes profissões”. A CEDEAO não deixa de conscientizar aos imigrantes que também podem fazer Angola avançar. Alguns, com as suas lojas e cantinas criam pequenos postos de emprego, no entanto, Abdoulaye lamentou o facto de existirem muitos quadros formados no seio da sua comunidade, que infelizmente por causa da documentação, são forçados a voltar-se unicamente ao comércio. A falta de documentação também um dos motivos para a detenção de imigrantes. Actualmente devido a difícil situação em que o mundo e o país (Angola) estão mergulhados, alguns cidadãos estrangeiros africanos, detidos no centro de Detenção de Viana, foram postos em liberdade provisória, acrescentando que esse processo ainda decorre, porém, de forma lenta.
Tendo tomado a palavra, o advogado da Omunga, Francisco Sebastião, opinou que Angola é um país amigo da imigração. Pelos imigrantes não enfrentarem dificuldades maiores que noutras realidades. O problema do processo de integração é um problema conjuntural, é sabido que nos nossos países as instituições públicas têm várias debilidades e em termos de consciência de quem devia fazer sentir a lei estamos longe do ideal. No entanto, Angola é um país amigo da imigração, pois mesmo em trabalhos executados pela Omunga notou-se que existe um modo bem reactivo para tornar determinadas situações mais favoráveis.
A representante do SME, Katarina Da Silva, disse que por força da COVID-19 houve redução de detenções. O motivo base que leva a privação da liberdade desta franja da sociedade é a “desconfiança da falsificação de documentos”.
Por conta do fraco domínio das leis por parte dos agentes da polícia, alguns refugiados são detidos e presos. Na visão do advogado da Omunga, Francisco Sebastião, o SME necessita “criar as condições”, antes mesmo de prender qualquer cidadão não documentado. Tendo reiterado que o referido órgão do Estado precisa respeitar a lei das medidas cautelares, pois, segundo conta, através das visitas de constatação (com os outros membros da organização Omunga) registou-se violação de Direitos Humanos, já que o centro de detenção de Viana não tem obedecido aos prazos estabelecidos pela lei.
Será que não existe outros mecanismos que respeitam os direitos dos imigrantes sem recorrer a privação da liberdade?
Para que haja um outro recurso, o país precisa se organizar, enalteceu o chefe de operações da OIM, Alberto Muxa.
Questionado sobre qual forma Angola deve se organizar, articulou que é preciso o nosso Estado considerar o imigrante como motor que auxilia no desenvolvimento de um país. Do mesmo modo, não teve receio de exemplificar alguns países que foram erguidos com a mão-de-obra de imigrantes.
POLÍTICA MIGRATÓRIA NO PAÍS – SUA APLICAÇÃO
Segundo a representante do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), até a presente data não existe um observatório migratório legal que supervisione essa política, aguarda-se pela sua aprovação e publicação. Entretanto, existem alguns itens que já foram activados como a isenção de vistos para determinados países, o visto de trabalho para imigrantes, entre outros.
O representante da OIM avançou que tem sido um grande desafio para os países africanos e que a referida política surge para facilitar os gestores das fronteiras a respeito do que o Estado quer e pretende fazer com os cidadãos estrangeiros. O Estado angolano, junto do Ministério do Interior e o Departamento de Migração, deve tornar pública essa política, a fim de que sirva para todos, inclusive ao próprio imigrante. O imigrante precisa saber o que pode e não pode, o que deve e não deve.
CASO DO CONSELHO NACIONAL DOS REFUGIADOS (CNR)
Em seu discurso, a representante do SME, Katarina da Silva, disse que o Conselho continua a funcionar numa parceria com a OIM e a ACNUR, apesar de ser de forma lenta.
O Conselho existente está a trabalhar na criação de novos cartões dos refugiados, para que sejam “mais condignos e ofereçam maior segurança”, bem como na construção de uma base de dados, isto é, para se realizar um novo cadastro dos refugiados e requerentes de asilo.
Baseando-se nessa dissertação, o advogado da Omunga, Francisco Sebastião opôs-se a ideia de que o Conselho Nacional esteja em funcionamento, pois somente algo que dá frutos visíveis é que está realmente em funcionamento. Não obstante a isso, aconselhou o Estado angolano a ser mais pragmático concernente a situação dos refugiados, no sentido de emitir uma circular que considere renovados ou actualizados todos os documentos dos refugiados, enquanto o Conselho estiver a trabalhar num novo cartão.
Em alta voz enfatizou: não se pode aceitar que o cidadão pague por um erro cometido pelo próprio Estado.
Ainda não há uma data estipulada para a nova emissão dos cartões dos refugiados, todavia, comprometeu-se, a representante do SME, a fazer chegar a sugestão levantada até a Direcção de Asilo e Refugiados, assim como ao Conselho Nacional dos Refugiados.
Sobre esta situação, o representante da CEDEAO, Diallo Abdoulaye, comentou que é necessário trabalhar de verdade na questão da documentação, porque os imigrantes têm desejos e famílias. Inclusive, muitos têm medo dos agentes, é duro não poder fazer muitas coisas por causa dos documentos. Falta harmonia e mais facilitação no processo.
SITUAÇÃO DOS APÁTRIDAS EM ANGOLA
Embora não tenha apresentado uma estatística dos apátridas, a representante do SME reconheceu que há registo desses entes no território nacional e que a existência dos mesmos tem preocupado o Estado angolano.
Mencionou que está em curso uma legislação que rege a situação dos apátridas em Angola, pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos com a parceria de outras instituições.
Os participantes desta Mesa Redonda consideraram ter sido um exercício proveitoso, porquanto cada um aprendeu com o que foi debatido
Apesar dos mais variados problemas que precisam ser melhorados, o advogado Francisco Sebastião destacou que é necessário haver mais sensibilidade política por parte do Estado angolano, pois assim como diz o Papa Francisco “somos todos imigrantes”.
Esta actividade foi realizada no âmbito do projecto “Documento para Todos”, financiado pela União Europeia e com o apoio da Christian Aid.