Tema: A Dimensão Ética dos Magistrados angolanos na luta contra a Corrupção.


Por: Dr.Albino Pakissi.

A dimensão ética dos magistrados angolanos na luta contra a corrupão, deve ser enquadrada numa perspectiva mais alargada, que não apenas olha para a realidade do objecto que se pretende estudar, como procura acima de tudo outros factores não menos importantes que possam contribuir para a compreensão do fenómeno a dissertar.

Por conseguinte, sendo esta uma abordagem de carácter eminentemente jurídico-filosófica, porque engloba à direita a dimensão ética e moral e à esquerda o ofício do jurista: Magistrado do Ministério Público ou Judicial, Advogado e Oficiais de Justiça, e traz consigo um sistema de conceitos e definições, a primeira coisa que devemos estabelecer é a realidade fundamental objecto da nossa reflexão, que nos dará a perspectiva a partir da qual se observa e se analisa. Qual é essa realidade que desejamos observar e analisar?

A realidade que desejamos observar e analisar é a vida jurídica, mais concretamente dos Magistrados angolanos e a sua relação com a ética no combate ao “fenómeno” da Corrupção em Angola. Ou seja, como é que este sector essencial ao exercício da Justiça lida com o “fenómeno” e  a realidade da corrupção em Angola.

Por outro lado, vale questionar o que seja o “fenómeno”. O fenómeno é a manifestação de alguma coisa, diferente do facto contra o qual não existem argumentos, o fenómeno é percebido conforme o ângulo de abordagem que desejamos fazer. E porque nem sempre somos capazes de perceber toda a realidade, impõe a ciência que a nossa humildade intelcetual nos permita olhar para a realidade repartindo-a em partes observáveis.

Desta feita temos por abordar quatro vetores: Magistrados; Ética; Corrupção (fenómeno) e Angola. O país aparece separado porque os Magistrados angolanos vivem na sociedade angolana, por isso é justo que a sociedade seja incluída no estudo que hora fazemos.

Vamos as definições aludidas acima. Quem é o Magistrado?

A origem desta palavra é latina Magistratus que tanto significava a função de governar como a pessoa que governa. Porém, como aponta Gusmão, magistrado é aquele que exerce actividade jurisdicional, como órgão ou membro do Poder Judiciário e a quem se confia a administração da Justiça de modo geral. Portanto os Magistrados estão encarregues de exercer  justiça, especilmente os juizes e em nome do Povo Soberano. A Ministério Público, cuja Lei Organica consta do Diário da República, na Lei n.22/12, Lei Organica da Procuradoria Geral da República e do Ministério público, expelha bem quais os deveres e obrigações dos Magistrados e aplica as barreiras da sua actuação.

O que a lei nos diz sobre a atuação do Magistrados do Ministério Público, é que eles são verdadeiramente indenpendentes na sua atuação não devendo obediência a ninguém, com excepção do Procurador Geral da República em matéria de Representação do Estado pela Procuradoria Geral da República, temos isto no artigo 8 da referida lei número 3.

Por outro lado, a Magistratura do Ministério Público goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central e local do Estado e possui estatutos próprios, nos termos da lei. Ou seja, a lei do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público é clara: legalidade, objectividade, insenção, directrizes e ordens legais. Pelo que a violação da consciência jurídica é causa de justificação para a recusa de cumprimento de uma lei ou diretriz.

No art. 33 e respectivos números encontramos a possibilidade de o Magistrado não exercer determinado acto, quando entende que a sua consciência jurídica esteja a ser violentada.

Quê dizer do Juiz? Para este ilustre magistrado judicial, cabe-nos citar a obra de Domingos Feca sobre a Deontologia dos Magistrados: “segundo o pensamento de Philipe Abravanel, no que respeita à deontologia do Juiz, a especificidade da sua ética reside na sua situação funcional, que não é somente profissão, mas também órgão do Estado. O juiz é parte do terceiro poder do Estado, igual aos outros dois, e este poder não é derivado, como o de um funcionário, mas original, directo. A decisão do juiz actua sobre a vida das pessoas, a honra, a integridade física, a liberdade e os bens individuais. Daí que a fonte da deontologia do juiz se deva encontrar nos direitos específicos dos juizes, de que os deveres são o colorário. Estes direitos do juiz não são senão a consequência do princípio da independência da justiça, que é, condição de funcionamento de qualquer democracia”. Fim de citação.

Por outro lado, sublinha-se com ênfase a independência dos Tribunais. Tudo visto e compilado, no que aos Magistrados diz respeito, entendemos que do ponto de vista legal, não existe nenhum impedimento que leve a que os Magistrados não cooperem positivamente na luta contra a corrupção em Angola.

A Ética, do seu original grego: έθος[1], uso, costume, hábito; entende-se como o estudo da actividade humana com relação ao seu fim último, que é a realização plena da humanidade[2]. É dentro deste contexto que o Magistrado deverá ter em conta vários princípios, começando pelos seguintes: O Princípio da humanidade. O Princípio do respeito pela vida. O Princípio do bem-comum. O Princípio da alteridade. O Princípio da responsabilidade. O Princípio da solidariedade. O Princípio da não-violência. O Princípio da justiça. O Princípio da honestidade. O Princípio da tolerância.

Cada um destes princípios levaria a uma abordagem interminável, pelo que a eles apenas devemos juntar as máximas do filósofo alemão Emmanuel Kant. Segundo o filósofo para se atingir uma harmonia na convivência entre os seres humanos, devem ser respeitadas as seguintes fórmulas:

Fórmula baseada na universalidade da lei: “age de tal modo que a máxima da tua acção possa sempre valer, como princípio universal de conduta”.

Fórmula baseada na humanidade como fim: “age de modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na dos outros, como fim e nunca como meio”.

Fórmula baseada na vontade legisladora universal: “age de tal modo que a tua vontade possa considerar a si mesma como instituidora de uma legislação universal, ou seja, age de tal forma segundo as máximas tais que a vontade de qualquer homem, enquanto vontade legisladora universal, possa aprová-las”[3].

Estas fórmulas acabadas de mencionar implicam entre outros pressupostos a liberdade. Uma pessoa livre seja em que condição for, age de modo a procurar a satisfação de si, e dos outros.

A Liberdade, uma das características da vontade, é uma palavra com múltiplos sentidos e desempenha diversos ofícios. No sentido mais geral, a liberdade é a capacidade que o indivíduo possui para decidir e realizar actos por sua própria iniciativa sem determinismos, nem coação, muito menos constrangimentos. Para que haja liberdade é necessária uma apurada dose de consciência e um elevado grau de responsabilidade, de modos que o agente seja capaz de assumir as consequências dos seus actos.

Na perspetiva de Mondin, a coação[4] pode depender de diversas causas, isto leva a que se distingam vários tipos de liberdade, sendo as principais as seguintes: “liberdade física (que é a isenção de constrangimento físico, ou habeas corpus), liberdade moral (que é a isenção da pressão de forças relativas à ordem moral, como prêmios, punições, leis, ameaças, etc.), liberdade psicológica (que é a isenção de impulsos de outras faculdades humanas sobre a vontade para fazê-la agir de uma determinada forma), liberdade política (é a isenção de determinismos políticos), liberdade social (é a ausência de determinismos sociais, ou ausência de estado de emergência) ”[5].

No âmbito da ciência mais elevada do direito (scientia altior), embora sejam pertinentes, todas as formas de liberdade, interessa abordar a liberdade psicológica, que se pode definir como a capacidade que o homem possui de fazer ou não fazer uma determinada coisa, de cumprir ou não determinado preceito legal, de cometer ou não determinado crime, de agir ou não agir; quanto aos operadores do direito, de aplicar ou não determinada norma conforme a reta ratio, etc.; ou seja, existindo à partida todas as condições requeridas para agir, o agente é chamado por si mesmo a tomar uma decisão (favorável ou desfavorável). É o controlo soberano sobre a situação, de modos que a vontade tenha nas suas mãos o poder de fazer pender a agulha da balança de um lado ou de outro. É o domínio de si mesmo e das próprias acções[6].

Aqui chegados falemos da corrupção

Começaremos por tratar este tema, partindo da sua raiz. Corrupção é um termo de origem latina corruptus” que significa quebrar em pedaços. Traduzido para português, o verbo corromper significa: tornar podre, decompor; estragar; infetar; adulterar; alterar; subornar; seduzir; ou seja, desviar do caminho certo.

Vamos reforçar o significado literal e imediato do verbo corromper, com uma citação do autor Calil Simão, segundo a qual: “a corrupção social ou estatal é caracterizada pela incapacidade moral dos cidadãos de assumir compromissos voltados ao bem comum. Os cidadãos mostram-se incapazes de fazer ou realizar acções que não lhes tragam satisfações ou gratificações pessoais”.

Os parágrafos acima referenciados levam-nos a perceção de que, numa determinada sociedade, antes de falarmos da corrupção dos seus Magistrados ou dos dirigentes, se quisermos, devemos antes de mais verificar o tecido social. Sabemos por experiência própria, e, esta realidade não escapa a ninguém, que a família é o núcleo da sociedade, é o mesmo que dizer, se quisermos olhar para a sociedade, se quisermos estudar ou perceber uma determinada sociedade, devemos antes de tudo estudar a família, a sua constituição, a proveniência, e a estabilidade dos seus membros, a vivência dos valores ou costumes. Só depois deste estudo e da perceção da família, poderíamos passar para um estudo mais alargado, aquele da sociedade.

No que respeita a questão em voga, devemos dizer, que não há Magistrado algum, que não tenha saído e vivido no seio de uma família viva ou defunta. E na realidade, a família não subsiste sem a observância mínima de certos pressupostos, atinentes aos valores éticos e morais, religiosos ou civis. Neste sentido, salvo rara excepções, qualquer desvio de conduta ou o exercício descarado e incorrigível da corrupção de qualquer Estado, deve ser entendido, como desvio das famílias, ou seja, é a família e consequentemente a sociedade que estão em crise.

Numa sociedade onde os governantes desviam, delapidando o erário público, onde os Magistrados sentem-se incapazes de realizar algo que não lhes traga proveito pessoal, é porque a consciência social assim o permite. O que leva a pensar que, se cada membro da sociedade, tivesse a mesma oportunidade – tenhamos a certeza absoluta – faria tudo da mesma maneira ou pior ainda. Assim sendo, a corrupção não é apenas um problema de quem governa, mas sim, um problema de quem é governado. E na realidade é muito mais grave a corrupção da sociedade, ou seja dos governados, porque eles são a maioria e os governantes a minoria. Porque os governantes podem ser substituídos, mas a sociedade não pode ser substituída.

A sociedade nunca se substitui, não é possível fazê-lo. Não é possível nós os angolanos irmos todos viver em Portugal e os portugueses todos virem viver em Angola. O que sustenta a minha defesa de que não é tão grave como parece a corrupção dos que mandam, pois é muito mais grave a corrupção real, de costumes e valores, na qual vivem os governados: das igrejas, dos intelectuais, “da nobreza´”, do povo e dos estudantes. Há uma grande necessidade de se ganhar consciência do que se pretende seriamente.

Não existe, até ao momento – verdade seja dita – um único grupo, dos que acabamos de fazer referência, que seja realmente defensor dos valores, nem morais, nem religiosos, nem civis, que permitam um verdadeiro convívio humano, entre seres pensantes.

Quanto à sociedade angolana a resposta ao nosso tema, temos o seguinte:

Angola vive uma fase de grandes desafios no que aos valores morais diz respeito. A crise destes valores verifica-se nas Instituições que têm o dever moral de defender a verdade e repor o bem, e, é nelas onde notamos uma ausência gritante de valores éticos e morais. Neste sentido, estando os Magistrados do Ministério Público e Judicial, incluídos na sociedade angolana, a sua dimensão ética na luta contra a corrupção apenas pode ser aferida dos pressupostos acima aludidos. Pelo que enquanto do ponto de vista prática não se fizerem a aplicação dos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, constantes da Lei n.7/94, que garantem a devida remuneração e regalias destes Operadores da Justiça, continuaremos na luta pela liberdade de consciências.

Porém, o nosso estudo demonstra que a única resposta a dar ao tema é a seguinte: Embora não existam as condições materiais suficientes para o exercício da justiça plena e o combate à corrupção levado a cabo pelos Magistrados angolanos, a grande realidade reside apenas na consciência de cada um deles que, se pode livrar do aforismo latino: primum vivere deinde philosophare, para nas vestes de Magistrado, conscio das suas responsabilidades, diga não à corrupção e eleve a sua dimensão moral e ética acima das necessidades supérfluas.

Este exercício puramente filosófico, o estoicismo, na sua dimensão mais elevada seria a única solução, depois da lei, para conseguir que os Magistrados angolanos participassem incólumes do combate à corrupção.

Muito obrigado pela atenção dispensada.  

Leave a comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.